terça-feira, agosto 29, 2006

quinta-feira, agosto 24, 2006

Sobre inFernet, cuervos & janelas sujas

Sobre inFernet, cuervos & janelas sujas

MySpaces, Tramas, Orkuts, MSNs e www’s são hoje algumas das mais poderosas ferramentas de divulgação para bandas de rock independente do mundo inteiro, que se valem desses recursos para agendar shows, mostrar suas músicas, estreitar contatos e mostrar a cara para um público sempre ávido por novidades e qualidades.
Mas como tudo na vida, existe um lado ruim disso, e até já abordei uma vez uma das facetas desse problema. Vivemos épocas em que a privacidade tornou-se um conceito melífluo, épocas em que as pessoas julgam-se próximas, amigas, conhecidas e outros relacionamentos falsamente criados e alimentados por bits, por anonimato e por distância. Uma vez que o sujeito entra na lista de “amigos” orkutianos, já se sente no direito de dar palpite, conselho, avisar de perigos gigantescos (“O orkut vai ser pago se você não mandar essa mensagem pra sete virgens” ou “Vai ficar verde e amarelo quando você pular num pé só gritando meu nome” e outras asnices) pedir dinheiro emprestado ou mandar piada sem graça (como aquela de que se conheceram no presídio e que o cara foi violentado... putz!). E aí aquele sujeito que você trocou algumas frases num tópico qualquer te encontra num show ou na rua e já te cumprimenta como se fosse um primo seu que foi separado da família pelo terremoto. Cheio de saudade e carinho! Loki, não?
Quem tem banda já deve ter passado por isso: você está assistindo um show, tranqüilo, bebericando sua cervejota, e aí surgido das trevas aparece alguém para conversar com você, com extrema intimidade, usando apelidos íntimos (“E aí, cabeção!”) e tapas nas costas; e tudo que você consegue pensar é “Quem é esse maluco, meudeusdocéu?”. O cara viu um show da tua banda, achou legal e por isso se sente próximo, amigo ou coisa parecida. Imagina então se você fosse o Flausino, o Camelo ou o Chorão? Ser famoso não deve ser assim tão divertido, porque você se torna público, de domínio público, de usufruto público, e se você se limita a não ser assim tão “consumível”, então você é metido, arrogante, estrela e outros palavrões generosos.
E isso é reforçado porque, como disse o grande Nobre (“grande” pode ter duplo sentido nesse caso. rs) nós “abrimos nossos corações” nas instâncias virtuais que participamos, quando nos posicionamos nas discussões, quando explicamos nossos pontos de vista, e nessa abertura criamos corvos.
“Cría cuervos y te sacarán los ojos”, diz o ditado espanhol, que se traduzirmos livremente seria algo perto de “crie corvos e eles te arrancarão os olhos”, para mostrar que muitas vezes nós mesmos criamos os nossos algozes e carrascos. Quando em uma discussão virtual, dirigimos a palavra a alguém, podemos estar abrindo a guarda a algum maluco qualquer, fake ou anônimo (o que é pior ainda) que se esconde por trás da tela para proferir seus vaticínios. Quando batalhamos para expor nossas bandas ou nossos selos ou nossos escritos ou nossos zines virtuais ou o que quer que seja, quando mostramos a cara enfim, estamos nos destacando na multidão silente, e isso tem seu preço.
Porque aí os “cuervos” mostram saber de nossas vidas muito mais que nós mesmos. Detectam nossas canalhices, nossos vícios, nossos hábitos, nossas estratégias de marketing (as boas e as – quase sempre – ruins), nossos preconceitos e com isso fazem o nosso diagnóstico e o divulgam. Sem ter nunca conversado diretamente com o “diagnosticado” ou sem sequer querer saber o que realmente aconteceu em fatos e eventos os mais diversos. Em tempos de jornalismo gonzo tínhamos mais dignidade nos comentários, pois a criatura comentadora tinha que viver, experimentar, saber realmente para poder falar. Mas vivemos épocas de jornalismo Google, em que juntando pedaços de informação já se tem a verdade absoluta. E Ai de quem quiser contestar essa verdade googólica.
Exemplos existem aos montes dessa sandice generalizada. Eu já levei pedrada de gente que nunca conversou comigo ou sequer mandou um e-mail para perguntar ou confirmar meus pontos de vista. Segundo (da TwoBeersOrNotToBeers, selo daqui de GoiâniaTown) encontrou uma nêmesis brasiliense que o acusa dos mais diversos pecados sem – até onde eu sei – nunca ter discutido nenhuma idéia com ele por cinco minutos que fosse. As bandas Rockefellers e Violins atravessaram suas crises recentemente – com desfechos distintos – e descobriram atônitos que muitos entendem mais de suas vidas que eles próprios. Los cuervos, irmanitos, los cuervos!
Nesse último exemplo – das duas bandas – foi interessante perceber o tanto de explicações que surgiram para os problemas INTERNOS (em maiúscula, negrito, sublinhado e itálico, para devido destaque desse detalhe) que as bandas atravessaram, desde o argumento batido e babaca de que eram óbvias táticas marqueteiras para chamar público aos futuros shows (como se essas bandas precisassem disso) até mesmo interpretações sobre ex-membros enciumados que poderiam ter feito voodoo para despencar urucubacas nas cabeças das bandas como se fossem a própria mão de Deus.
Lembro de uma historinha que ouvi uma vez. Um casal que um dia em sua cozinha tomando café da manhã, viu sua nova vizinha colocando os lençóis no varal para secar. A mulher olha para os lençóis sendo esticados e decreta:
- Essa nova vizinha é muito porcalhona. Olha lá que lençóis mais imundos! Estão sujos demais. Nem parece que foram lavados.
O sujeito ouve sua mulher, toma seu café, calado, e logo após segue para o trabalho.
Dias depois a cena se repete. A vizinha estende seus lençóis recém lavados em seu varal, e a mulher irritada com o desleixo da vizinha, urra a verdade absoluta espumando os cantos da boca:
- Essa mulher não sabe lavar roupa. Definitivamente. Olha a sujeira daqueles lençóis. Porca!!
O sujeito engole um último gole de café com adoçante e vai embora para sua rotina.
Dias depois, durante outro café da manhã, a mulher ao ver a vizinha colocar os lençóis no varal, se surpreende:
- Veja só. Os lençóis estão limpos hoje. E eu nem fui lá ensinar a lambona a lavar roupa. O que será que ela fez de diferente?
O sujeito-marido responde com calma e prazer:
- Ela não fez nada de diferente. Eu que acordei mais cedo e lavei as nossas janelas.

Por causa da aparente proximidade proporcionada pela inFernet existe muita gente de janela suja criticando roupa lavada do outro. Olhando, diagnosticando e criticando problemas de outros, sem realizar uma devida análise dos seus próprios problemas. Fácil falar do quintal do vizinho, não é verdade?
Como estou na inFernet, também vou me arvorar o direito abusado de dar conselho. “Cuervos” famintos, querem saber o que fazer? Olhem antes para os próprios umbigos inflamados, antes de apontar os problemas dos outros.
Ou melhor ainda: Arrumem uma vida!



Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei
eduardoinimigo@gmail.com

“Eu sabia que ia brilhar”

“Eu sabia que ia brilhar”

Uma vez eu vi uma pichação num muro daqui de GoiâniaTown que dizia mais ou menos o seguinte:

“Eu sabia que ia brilhar! disse o fogo de artifício, e se apagou”

Lembrança essa que me remete àquela velha expressão que diz que a lâmpada que brilha com o dobro da potência se finda na metade do tempo, mostrando que o brilho exagerado pode ser fatal, e podemos também nos lembrar de Dédalo e seu filho com complexo de mariposa – foi atrás da luz e se deu mal. Tudo isso para apontar o rumo da conversa para o lado dessa coisa sedutora, mas perigosa, o brilho. E conseqüentemente alguns corpos que emitem brilho, as estrelas.
A idéia original desse texto é do Nettü Regert, diretor da Associação Pró Rock de Vilhena – RO e baixista da banda Enmou, e surgiu numa prosa eme-esse-ênica dia desses, em que ele comentava sobre o tanto de gente que quer ser estrela na cena rock independente. E nem discutíamos a exclusividade dessa cena para criar figuras desse tipo, porque sabemos mui bien que gente assim existe em todos os ambientes e grupos possíveis. Mas é que escolhemos fazer alguma coisa no meio desse povo nosso aqui, e gente que sobe em gilette pra fazer discurso realmente enche o saco.
Porque estrela é um corpo celeste que possui luz graças aos fenômenos e reações termonucleares que ocorrem dentro dela, ou seja, o corpo celeste produz a própria luz, às custas do próprio esforço, consumindo-se para realizar esse intento. Não é como uma Lua qualquer que simplesmente reflete a luz dos outros, e já adianto que não vou mergulhar profundamente em questões astronômicas porque posso levar bronca de gente mui próxima na eventualidade de cometer alguma barbaridade aqui. Teremos, portanto, somente o suficiente para alimentar a fogueira.
Porque, se nos basearmos no parágrafo anterior e fizermos uma avaliação das pessoas que compõem os eventos e ambientes do rock independente, veremos que muitos se envolvem com o rock na busca de reconhecimento, destaque e as coisas que usualmente (utopicamente, convenhamos) acompanham, ou seja, sexo, dinheiro, sucesso.
Bão... começando de trás para frente, sabemos muito bem que o rock independente não se presta tão rapidamente a oferecer-nos dinheiro, sexo, sucesso, fama e fortuna (sim, dinheiro é uma coisa, fortuna é muita coisa). O rock independente nos oferece antes a possibilidade de muita ralação, muito esforço e conquistas gradativas e muitas vezes, pequenas. Então quem entra nessa para “se dar bem” pode se frustrar rapidamente, e perder o ritmo.
Agora quem entra querendo ser destaque, ou de forma direta “querendo aparecer”, esses já possuem melhores condições de satisfação, porque nos shows, festivais e bares onde o povo rock se encontra, muitas são as oportunidades de ser reconhecido pela galera do rock, de ouvir comentários da galera do rock, de ser elogiado pela galera do rock, e por aí vai. Ou seja, existe a possibilidade de “aparecer” mas para um público restrito e seleto, e esse aparecer também é bastante relativo.
Digo isso porque nas vezes em que dirigi peças de teatro, sempre deixava claro para o elenco que quem faz teatro, mais que querer se expressar, viver a arte, exercer a sensibilidade, a pessoa que faz teatro quer aparecer. E como pendurar melancia no pescoço pode dar problema de coluna, muitos escolhem subir num palco e se destacar da multidão. E não há mal nenhum em querer se destacar da multidão, querer aparecer ou coisa semelhante, porque é um desejo legítimo e digno como qualquer outro, e que bom que existe o palco para oferecer esse destaque.
Mas o problema é que muitas vezes os ansiosos por brilho querem muito e muito rápido, e ignoram o risco de se extinguir na metade do tempo. Me lembro de um show que fui no Martim “Serelepe” (esse termo é criação do Fernando Pudim. Gostei, CTRL-C, CTRL-V) de umas bandas iniciantes num fim de semana sem rumo na cidade. Eram bandas que estavam fazendo o primeiro show, a maioria com uma garotada ainda sem idade para tirar carteira de motorista, e um dos shows de uma das bandas (que eu realmente não lembro o nome) tornou-se inesquecível. O vocalista da banda era um cara cheio de pose, com óculos escuros, cabelo loiro desgrenhado, camisa aberta no peito magro, olhar blasé, empunhando sua guitarra de forma relaxada, bem rockstar mesmo; e no meio do show ele comete essa: “Minha cerveja acabou, providenciem outra”, como se fosse o próprio Bono. A platéia, quase toda composta de amigos e parentes, ficou num estado de “Ãn?” que seria engraçado se não fosse tão constrangedor.
E o loirinho ficou lá, com a lata vazia na mão, olhando em volta e esperando os roadies (que não existiam) ou as groupies (que também não existiam) ou o produtor da banda (que... bom, já sabe, né?) trazer a cerveja pra ele. Tá loki?
Sim, subir num palco, fazer um programa de rádio virtual, montar um selo, escrever para sites, tudo isso dá destaque sim, porque você tá mostrando sua cara e suas idéias e arcando com o preço disso, mas daí a ter brilho, reconhecimento, isso já exige muito mais coisas. Coisas como qualidade, oportunidade, coerência, adequação e um monte de outros detalhes que fazem toda a diferença, principalmente quando falamos de bandas numa cidade como GoiâniaTown que tem mais roqueiro que gente. Alguns dias, em finais de semana, temos dois eventos acontecendo, com quatro ou até mais bandas em cada um, então para se destacar nessa multidão de bandas, tem que ser muito boa.
Mas infelizmente tá cheio de gente que acha que antes da responsabilidade de assumir o que se fez, vai surgir o reconhecimento pelo esforço empreendido (que nem sempre é tanto esforço assim, sejamos sinceros) e os louros (ou as louras) da vitória lhe serão gentilmente oferecidos. Tá viajando! Primeiro porque até ser reconhecido como uma estrela, com brilho próprio, consumindo o próprio hélio ou hidrogênio, tem muito pasto pra ser digerido, tem muito suor e esforço. Vai tomar pedrada, vai ouvir o que não quer, vai ser cobrado em atitudes que não quer ter, vai ter que assumir compromissos chatos e muitas vezes burocráticos, enfim, não é só alegria.
Quantas vezes a vontade é dizer “Mermão, baixa a bola!” para gente que tá inchada sem necessidade, mas ainda acredito que não posso dizer tudo que penso. Nem sempre convém, e se eu fosse lá dizer para o loirinho da cerveja acabada que ele tinha que baixar a bola, ele ia me olhar com cara de “Te conheço?” e meu comentário não ia adiantar nada.
Acredito muito mais em constante questionamento e reflexão, mas isso pode ser coisa de quem tem mais de trinta e que já quebrou a cara uma porrada de vezes suficientes para duvidar quando as coisas parecem ir bem demais. Por isso sou chamado e acusado de ser marketeiro, mas realmente eu vejo minhas atividades de forma marketeira (pronto, assumi! rs) e sempre querendo melhorar, de acordo com o que quero expressar e de acordo com o meu público alvo. Assim não fico acomodado achando que não existe mais maneiras de melhorar (e sei que existem milhões delas), sentado num trono fictício, me deliciando com uma vitória que ainda não conquistei. Quer prova disso? A ausência nesse texto de um tema que sempre abordo, mas que alguns leitores estava sentindo que era incômodo, desnecessário e forçado. Ouvi, digeri (não é fácil, mas eu tento), refleti e vi que realmente não tinha necessidade de ficar sempre batendo na mesma tecla. Sei que preciso melhor demaaaaaaaaaais em um monte de coisas, e não posso negar fontes preciosas de informação na hora de avaliar meu desempenho.
“Sucesso” só vem antes de “Trabalho” no dicionário, e mesmo sendo uma expressão velhusca, é verdadeira ao extremo. Então quem quer destacar, bota a cara na janela e grita, já consegue. Quem quer brilhar, começa a ralar bastante, porque aí o caminho é mais difícil.


Eduardo, O Inimigo do rei
eduardoinimigo@gmail.com