segunda-feira, outubro 09, 2006

"The times they are a changing" - um conto ou um fragmento de memória?

“The times they are a changing”


- Bom dia, Cotovia, todo mundo com alegria!

Esse era o Epitácio. Sempre com alguma frase na boca, que no julgamento dele seria uma frase de impacto ou efeito; mas que normalmente ninguém entendia ou achava interessante. E os comentários pelos corredores da empresa reforçavam a já antiga fama de “prego” que era o Epitácio, com suas piadas sem graça, com sua empolgação juvenil que nunca mudava, com seus comentários desnecessários sobre as mulheres da empresa, com seu tanto de vazio nas crenças que alimentava.

Isso porque o Epitácio se achava um visionário. Humpf! Era um irresponsável. De visionário não tinha nem cacoete, até porque não sabia o que era isso. Nem o que era visionário, muito menos o que era cacoete. Não sabia quase nada o Epitácio, mas de alguma forma que ninguém saberia hoje explicar, o sujeito tinha crescido na empresa, e agora ocupava o que se chama posição inatacável, ou seja, era um gerente que não influenciava nos resultados positivos e que não criava muitos resultados negativos. Não era ameaça nem solução, mas muitos clientes ainda gostavam dele, do seu puxasaquismo piegas e das suas visitas bobocas, por isso iam agüentando o Epitácio.

Mas Epitácio um dia achou de ser responsável pela área comercial de seu departamento. Óbvio que já existiam profissionais na área comercial de seu departamento, mas quem segura o Epitácio? Lá foi ele fazer venda. Leu alguns livros sobre o assunto, visitou alguns sites (que a secretária acessava pra ele, já que não se dava bem com tecnologia) e se sentiu o próprio personagem de Og Mandino. Lá foi Epitácio pra rua. A equipe já tremia antecipando a lambança.
- Mantenham a confiança! Aquele que faz isso nunca cansa!! – outra frase pateta do Epitácio.

Não demorou um mês. Porque não foi surpresa ele conseguir vender, mas todos se perguntavam COMO ele tinha conseguido vender, e a resposta veio como um tsunami na empresa. Epitácio prometeu mundos e fundos para o novo cliente, jurou que a equipe faria em três meses o que normalmente levariam um ano, prometeu parcerias em áreas estratégicas que a empresa não atendia e ainda deu desconto. Algum desconto? Não, muito desconto!! Epitácio fez o preço que o cliente queria. E para tudo ele tinha algum argumento.

Prometeu tudo que tinha prometido porque, segundo esse amalucado, confiava na equipe da sua empresa e sabia que ela podia se superar. “Mas Epitácio, nós nunca fizemos isso, não temos nem idéia do que é isso que você prometeu!!”, a equipe se desesperava. Ele também não sabia direito o que tinha prometido, mas argumentava sempre com base na sua sólida confiança na equipe.

O prazo reduzido foi justificado com um esforço extra, pois a equipe se dedicaria além do normal para aquele cliente. Cabe comentar que o cliente – sejamos sinceros – não justificava tamanho esforço, mas o parvo acreditava naquilo. O prazo não era apertado, era irreal! Nunca conseguiriam fazer aquilo, nem se trabalhassem todas as horas do dia e da noite.

As parcerias, Epitácio disse que conseguiria estabelecer, mas isso não aconteceu porque o estunto desanimou na segunda “Tá maluco?” que ouviu dos parceiros da empresa. E as promessas caíram no vazio.

Estava ruim? Estava, e podia piorar. O cliente não satisfeito reclamava diariamente, e não com palavras bonitas e animadoras, mas com os piores palavrões que nossa língua produziu. E, claro, não era Epitácio que ouvia os palavrões. A equipe de implantação, que estava “dentro” do cliente, era tratada aos chutes e pontapés, tamanha a revolta do cliente, e claro, Epitácio não acompanhava a equipe de implantação. Na verdade, Epitácio nunca mais foi ao tal cliente e não queria ouvir comentários de sua equipe.

- Nada tema, com Epitácio na área não existe problema! – o abestado continuava com suas frases famélicas.

A equipe se matava para atender o que não seria possível fazer, ou seja, o que Epitácio irresponsavelmente tinha prometido aos clientes. A equipe tentava e buscava e implorava pelo apoio e suporte do Epitácio, mas como ele poderia dar suporte para uma coisa que ele não entendia? A equipe ficava só, o cliente ficava só, e Epitácio continuava com seu sorriso aberto, seu passinho lépido e fagueiro, seu jeitinho feliz com tudo.

Até um dia em que Epitácio chegou à empresa, e saltitante foi até sua sala, encheu seu copo de água e foi até a sala de reuniões, lugar onde agora estava sua equipe, em processo de desespero com prazos, fatos e broncas intermináveis dos clientes. Vários clientes.

Epitácio abriu a porta, e alegre como sempre soltou outra frase oca:

- E aí, gurizada? Soluções todas e problemas nada?

Foi inesperado, devemos confessar. A típica resposta que sai pela boca antes de passar pela cabeça, e por não ter sido pensada normalmente geraria arrependimento. A equipe se surpreendeu quando Cleofas, o mais pacato dos profissionais de desenvolvimento, com mais de quinze anos de empresa e bons serviços prestados, religioso fervoroso e avô de duas lindas menininhas; sem sequer levantar a cabeça soltou um:

- Vai pro diabo, Epitácio!

A equipe se assustou por um ou dois segundos, e aí viram que Cleofas estava certo. O limite havia sido alcançado, e na seqüência da primeira frase, o contínuo da firma, que todos chamavam carinhosamente de Buru, e que estava ali somente buscando um envelope, complementou:

- É, cala a boca, Epitácio!

E todos voltaram para suas preocupações sem perceber a violência das frases ou a cara de espanto do Epitácio. A equipe concordava, ou mais, a equipe não via mais outra forma de se comunicar com Epitácio.

Ele, arrasado e sem graça, fechou a porta silenciosamente e se dirigiu à sua sala. Sentou-se na sua cadeira de encosto alto, e ficou encolhido. Epitácio sentiu medo. Muito medo.

Alguma coisa estava mudando na empresa.

Ele ainda não conseguia entender...
Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei

segunda-feira, outubro 02, 2006

Ah, a verdade!

A verdade, apenas a verdade.

"Senhoras e senhores, bom dia. Desejamos boas vindas à Veritas Airways, a companhia de aviação que realmente é honesta. Mantenham seus cintos apertados, seu assento na posição vertical e sua mesa presa. Na Veritas Airways, sua segurança é nossa prioridade. Quer dizer: quase. Se fosse verdade, nossas poltronas estariam de costas como as dos aviões militares, o que seria mais seguro numa aterrissagem de emergência. Mas aí ninguém compraria nossas passagens e iríamos à falência.

Nossas comissárias de bordo estão apontando as saídas de emergência. Esta é a parte deste anúncio na qual os senhores devem prestar atenção. Então deixem de lado as palavras cruzadas por um momento e ouçam: saber onde são estas saídas faz uma diferença fundamental que pode salvar-lhes a vida se for preciso evacuar o avião. E também mantenham seus cintos de segurança apertados mesmo se o aviso luminoso estiver desligado. É para protege-los do risco de turbulência de bom tempo, um distúrbio raro mas feio que pode causar danos sérios. Imaginem os pesados carrinhos de comida pulando no ar e se chocando contra os bagageiros e os senhores terão idéia de como pode ser feio. Não queremos assustá-los. Mas mantenham os cintos apertados.

Coletes salva-vidas podem ser encontrados sob suas poltronas, mas deixem-nos lá por hora. Aliás, não é necessário sequer procurá-los. No caso de um pouso forçado sobre água, um milagre sem precedentes terá ocorrido. Na história da aviação, o número de naves de grande porte que pousaram com sucesso em água é zero. Este avião está equipado com escorregadores infláveis que podem ser utilizados como botes. Não que faça qualquer diferença. Podemos até sugerir que retirem seus capacetes espaciais e cintos anti-gravitacionais já que a idéia de usar os escorregadores como botes é coisa de ficção científica."

Com sua ironia peculiar, a Economist sugere como deveria ser o discurso a bordo dos aviões. E aproveita para entrar na questão dos celulares:

"Por favor, desliguem seus telefones celulares já que eles podem interferir com nossos sistemas de navegação. Ao menos, foi o que sempre falamos. A verdade é que pedimos para desligá-los porque interferem com as comunicações quando estamos em terra, no aeroporto, mas explicando assim não parece tão grave. Na maioria dos vôos, alguns celulares continuam ligados por esquecimento. Se realmente fosse perigoso, não permitiríamos que fossem embarcados."

Em 2007, começarão a aparecer serviços de uso de telefonia móvel em companhias aéreas européias.
Há braços!
Eduardo Mesquita, O Inimigo do rei